‘Santuários eleitorais do Bolsa Família’ traz novas denúncias do programa

A série de reportagens “Santuários eleitorais do Bolsa Família”, realizada pelo blog do Magno Martins, de Recife (PE), voltou, nesta segunda-feira (17), com novas descobertas fraudulentas em torno do programa de transferência de renda do Governo Federal no estado do Piauí. No mês passado ele realizou a mesma matéria voltada para o município de Camalaú, no Cariri.

A quinta estação da série aconteceu na cidade na pequena Bela Vista do Piauí (PI), povoada por apenas 3.778 moradores, dos quais mais da metade – exatamente 2.535 almas vivas – resiste bravamente na zona rural, o Bolsa Família não é apenas um poder paralelo. É uma “mãezona”. Sustenta mais de um terço da população e o cartão magnético usado para sacar o benefício na Caixa serve para irrigar contas até de conselheiros tutelares e presidentes de partidos.

O objetivo da série de reportagens é mostrar a expressiva votação da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) em cidades do interior nordestino. Para o jornalista Magno Martins, o “Bolsa Família” foi o fator desequilibrador do último pleito presidencial.

Encravada no Sertão do Canindé, distante da capital Teresina 403 km, Bela Vista do Piauí deu a presidente Dilma 93,25% dos votos, a maior do Estado e a maior votação proporcional do País. De cada 10 dos 2.736 eleitores que foram às urnas na eleição presidencial de segundo turno, nove optaram pela reeleição da petista, que teve 2.361 votos, enquanto o tucano Aécio Neves obteve 375 votos, 8,25% da totalidade.

Confira a reportagem na íntegra abaixo:

Santuários eleitorais do Bolsa Família – Estação V

BELA VISTA DO PIAUI (PI) – Na pequena Bela Vista do Piauí, povoada por apenas 3.778 moradores, dos quais mais da metade – exatamente 2.535 almas vivas – resiste bravamente na zona rural, o Bolsa Família não é apenas um poder paralelo. É uma “mãezona”. Sustenta mais de um terço da população e o cartão magnético usado para sacar o benefício na Caixa serve para irrigar contas até de conselheiros tutelares e presidentes de partidos.

Josiene Marques, 41 anos, faz parte do time do Conselho Tutelar, órgão mantido pela Prefeitura Municipal, que exemplifica uma grave distorção no programa de transferência de renda criado para pobres, mas desviado para quem dele não deveria fazer uso: embolsa R$ 850,00 de salário como conselheira e R$ 147,00 pela Bolsa.

Foi localizada pela reportagem em sua casa, a 200 metros da sede do Conselho, com um carro na garagem, um Honda Civic e uma moto. Alegou que os meios de transporte foram adquiridos pelo marido e que é beneficiária do Bolsa Família praticamente desde que o programa existe. Embora tenha conquistado o emprego de conselheira tutelar através de concurso, Josiene continua recebendo a bolsa há quase dois anos.

“Já fui notificada para dar baixa e estou fazendo isso”, afirmou. Como conselheira tutelar, seu caso não é único no município. José Erivan, Josivan Tolentino e Marcelo Tolentino se enquadram na mesma situação, ou seja, ganham também R$ 850,00 como conselheiros e mais uma renda adicional da Bolsa Família. Erivan tem um cartão que lhe dá o direito de sacar R$ 112,00.

“Eu sei que já não posso mais ser bolsista”, diz Erivan, que não pode ser enquadrado na linha extrema de pobreza porque, além do salário de conselheiro, tem 13 cabeças de gado e 28 ovelhas no sítio Tapera, a 8 km do centro da cidade, onde mora com a esposa, um filho menor e seus pais.

Erivan foi localizado na sede do Conselho Tutelar na sexta-feira passada, dando expediente com os demais conselheiros Josivan e Marcelo Tolentino, que são parentes de primeiro grau, também beneficiários do programa social. Como Erivan, Josivan e Marcelo criam gado e ovelha na comunidade do Sítio.

Marcelo tem um valor acima de Erivan e Josivan: R$ 146,00 e há um ano e oito meses recebe R$ 850,00 como conselheiro. “Já pedi também para me cortarem do programa”, garante. Residente na comunidade do Barreiro, onde não chegou sequer ainda energia elétrica, Marcelo se insere no perfil de um pequeno criador.

Apesar da seca prolongada matar o gado ainda consegue meios para manter duas vacas e seis ovelhas. “Os animais são da família”, alega. Em Bela Vista do Piauí, a Bolsa Família contempla 693 famílias, entre as quais a de Bartolomeu Rodrigues de Souza, 45 anos, presidente municipal do PT, o Partido dos Trabalhadores.

Agricultor, Souza perdeu tudo o que plantou de milho e feijão por causa da seca, mas também não está na extrema pobreza, porque cria gado e ovelhas. Do Bolsa Família, recebe R$ 214,00 por mês.

“Eu não tenho emprego de carteira assinada, estou, portanto, dentro do que determina a lei”, alega. Secretária de Ação Social do município, Maria Helena Marques, esposa do prefeito, não esconde que há graves distorções na execução do Bolsa Família, mas ressalta que estão sendo corrigidas mediante o recadastramento dos beneficiários.

“A falha não é só nossa, mas do Ministério do Desenvolvimento Social também, que muitas vezes também faz cortes injustos, não sabendo separar entre o pai pobre que recebe pelo filho que está na escola e aquela família que tem direito por se encaixar no critério de extrema pobreza”, alega. Com exceção dos conselheiros tutelares, a secretária garante que não existem, entretanto, mais servidores beneficiados pelo programa.

Bolsa e Partido Único deram a Dilma 93,25% dos votos

Encravada no Sertão do Canindé, distante da capital Teresina 403 km, Bela Vista do Piauí deu a presidente Dilma 93,25% dos votos, a maior do Estado e a maior votação proporcional do País. De cada 10 dos 2.736 eleitores que foram às urnas na eleição presidencial de segundo turno, nove optaram pela reeleição da petista, que teve 2.361 votos, enquanto o tucano Aécio Neves obteve 375 votos, 8,25% da totalidade.

Na prática, foi o Bolsa Família garantiu a supremacia de Dilma em Bela Vista. Multiplicando-se os quase 700 contemplados por três, a média de uma família, chega-se à quase totalidade dos votos dados a presidente. “Aqui, não foi necessário fazer nenhum tipo de esforço para pedir voto para Dilma, não apenas por causa da bolsa, mas pelos efeitos dos demais programas do seu governo”, diz o prefeito Josimar Coelho (PTB).

Politicamente, Bela Vista é um feudo, reduto eleitoral do “Partido Único”. Josimar foi eleito e reeleito sem enfrentar concorrentes, tendo o apoio de todos os partidos do município, inclusive o PT. “Aqui, esse negócio de oposição não existe, porque o prefeito faz uma administração aprovada pela população”, diz Bartolomeu Rodrigues, presidente do PT.

O “Partido Único” está com os dias contados para as eleições de 2016. O prefeito desconfia que o candidato da oposição saia do grupo do ex-vice prefeito Benedito Tolentino (PMDB), composto pelos vereadores Gilvan Tolentino e Érico Valdir, ambos do PDT, que, recentemente, romperam com a administração municipal.

“Foi esse grupo ai que deu os 375 votos que Aécio teve aqui”, desabafa o prefeito. Mas o vereador Érico Valdir, eleito por apenas 195 votos nas eleições de 2012, contesta o prefeito. Diz que só votou em Aécio no primeiro turno porque era eleitor de Eduardo Campos, substituído por Marina após a sua morte. “Eu não gosto da Marina e por isso votei em Aécio no primeiro turno, mas no segundo turno votei em Dilma, embora não tenha feito campanha para ela”, diz.

Apesar da pobreza, salário do prefeito é de R$ 10 mil

Cinturão de miséria, com apenas duas ruelas e um amontoado de problemas sociais, Bela Vista do Piauí foi emancipada de Simplício Mendes, a 16 km, de onde mantém ainda uma cruel dependência de todos os serviços básicos. Só não depende da saúde porque a vizinha também não tem hospital. Por falta de garagem pública, a frota da Prefeitura é acomodada na casa do prefeito.

Dentro, ele guarda um ônibus, o carro que serve ao seu gabinete, um caminhão e até um trator. Do lado de fora, num pátio aberto, ficam as três máquinas agrícolas de porte maior que o Governo Federal doou pelo Kit Seca. “Eu sei que não está certo, mas eu vou deixar esses carros aonde? Tem que ser em minha casa mesmo”, desaba o prefeito Josimar Coelho.

Segundo ele, os dois maiores problemas são falta de água e saúde. Sem o programa Mais Médicos, vitrine do Governo Dilma, a Prefeitura só consegue custear as despesas de dois profissionais para atender a população em três postos de saúde. Eles moram em Simplício Mendes e só aparecem em Bela Vista três vezes por semana. Mas o prefeito é grato ao que o Governo Federal vem fazendo pelo município.

“O município não tem barragem para abastecimento. A água chega por 58 poços, cuja manutenção é muito cara”, reclama. Quanto à saúde, afirma que é obrigado a cobrir as despesas com as transferências de pacientes.

“Os doentes graves aqui são removidos para Teresina”, diz. O gabinete do prefeito, símbolo do poder, também é igualmente símbolo da pobreza franciscana de Bela Vista: funciona precariamente numa escola, sem espaço para abrigar as secretarias. Em município tão carente, a Prefeitura se transforma num grande amparo.

Mas seu cobertor é curto, abriga apenas 180 servidores, que consomem praticamente todo o FPM de R$ 229.705,00. As transferências do programa Bolsa Família, hoje no valor de R$ 120.115,00, representam mais da metade do FPM. O prefeito ganha R$ 10 mil, salário de marajá para um município com tantos contrastes sociais.

Já os secretários – seis ao todo – recebem R$ 2 mil, valor que dá para manter outras atividades, como criar gado. Não fossem os programas sociais, a seca, que dizima o rebanho e reduziu a pó as produções de milho e feijão, já teria provocado danos maiores e consequências imprevisíveis.

O programa “Pelo Brasil Sem Miséria”, extensão do Bolsa Família, distribuiu a cada família este ano, a fundo perdido, R$ 2.400 para investir em atividades rurais. A maioria optou por construir nos fundos das casas abrigos para rebanhos ou ampliar suas criações de porcos, ovelhas ou galinhas.

Para garantir a oferta permanente de água para os animais e pequenas lavouras estão sendo construídas no município cisternas-calçadões. Nesse sistema, grandes placas de cimento canalizam a água para os reservatórios, capazes de armazenar 52 mil litros, três vezes mais que as cisternas comuns.

Segundo a secretária de Ação Social, antes dessas ações o agricultor “ia trabalhar nas roças dos outros para conseguir R$ 15 por dia para comprar o leite para o filho”. “Era o tempo da proteção de Deus e do braço para cuidar da gente”, lembra Edmilson Coelho Barbosa, 34 anos, que disse ouvir isso do seu pai, para acrescentar: “Era uma escravidão”.

Foi no governo Dilma que as crianças em idade escolar passaram a ser buscadas na porta de casa por ônibus escolares amarelos, como os usados nos Estados Unidos. E não exclusividade de Bela Vista do Piaui. O vaivém dos veículos, entregues às prefeituras pelo programa federal Caminho da Escola, chega a causar pequenos congestionamentos em algumas cidades percorridas pela reportagem no Sertão do Canindé.

Blog do Magno Martins

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