LÉ PINTOR

Por Zelito Nunes

Hermes de Siqueira Santos era o seu nome de batismo.

Era pintor, letrista, contador de histórias, alfaiate e boêmio ungido pela graça do Divino Espírito Santo. Seu tipo físico de estatura baixa, barriga saliente, sua cor branca e seu nariz comprido, lembravam o célebre Toulouse-Lautrec, pintor da “belle époque” francesa, também boêmio, muito popular, famoso e querido pelas mulheres do “Moulin Rouge“.

Lé, como era chamado, viveu intensamente nos cabarés e bebeu na boemia de São José do Egito, até quando Deus, impaciente com tanta demora, resolveu chamá-lo, até meio antes do tempo. Devia ter uns sessenta e poucos quando deixou este mundo velho.

O sargento Chiquinho foi mandado de encomenda para ser de­le­gado de São José, numa época de contendas “brabas”, na agitadíssima política de lá. E mandou ver: fechou bares, prendeu gente, reprimiu o jogo e decretou o célebre toque de recolher, prática muito usual nas ditaduras da desvalida “nuestra Latino-América”.

Numa de suas rondas noturnas, lá pelas dez da noite, quando tudo já deveria estar fechado, como mandava a lei, e até a luz (de gerador), já estava apagada, o sargento foca a sua lanterna na cara de Lé, que acabara de sair de casa, cumprindo a sua rotina de notívago, numa ronda onde a noite mal começara.

– Pra onde o sr. pensa que vai?

– Vou pro cabaré, sargento!

– O sr. tá doido? Não sabe que eu mandei fechar tudo?

– É, mas essa é a minha hora e eu só vou dar uma olhadinha por lá!

– O senhor é quem escolhe: quer voltar pra casa ou dormir na delegacia?

Diante de tão “convincente” argumento, Lé não discutiu e foi voltando pra casa, quando já estava com a chave na fechadura, voltou-se e perguntou para o delegado:

– Ô sargento Chiquinho, eu não tenho costume de dormir a essa hora da noite, como o sr. tá mandando. Será que eu posso me deitar e ficar com os ói aberto?

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