Brasil chega a 200 mil mortes por Covid-19 após série de erros no combate à pandemia

Bastaram apenas 72 horas para que a vida de Tiago Cária Sartini, 38, mudasse para sempre. No intervalo de três dias, o engenheiro perdeu o pai e a mãe para Covid-19.

José Luiz Sartini, 73, e Maria das Graças Cária Sartini, 69, tomavam todos os cuidados possíveis para evitar o contágio. Não foi o suficiente. “Qualquer um que minimize essa doença tem, no mínimo, um déficit cognitivo” diz o filho.

Ambos fazem parte da triste marca que o Brasil atinge nesta quinta-feira (7). Após dez meses desde o registro da primeira vítima por aqui, em 16 de março, o país contabiliza 200 mil mortes pela doença e uma série de erros no combate à pandemia, alguns deles passíveis de responsabilização do presidente da República, apontam especialistas em saúde pública e direito.

Somos o segundo país do mundo com mais óbitos em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos. E, assim como lá, a condução do combate à pandemia por aqui rendeu e continua a render críticas.

Se o agora quase ex-presidente americano Donald Trump desdenhou e minimizou os efeitos do novo coronavírus em seu país, a gestão Jair Bolsonaro (sem partido) não fez diferente e até seguiu alguns exemplos, apontam os especialistas.

Negacionismo, pouco caso, incompetência, crimes contra a saúde da população e violações de tratados internacionais que colocaram o Brasil em uma situação tão delicada quanto vexaminosa são apenas alguns dos erros apontados — por ação ou omissão- que pesam contra o governo brasileiro. Isso, de acordo com a opinião de quem desde o início vive, estuda e tenta minimizar os efeitos da pandemia.

“Após o período de gestação dessa pandemia, parimos um rebento com muitos e diferentes defeitos congênitos. Alguns indeléveis”, diz a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo, uma das profissionais de saúde mais atuantes durante a pandemia.

Às 22h30 da véspera do dia em que o Brasil chegaria à nova marca recorde de óbitos, logo após terminar mais um laudo de uma vítima da Covid-19, pouca coisa ainda parecia fazer sentido para ela. “Ninguém se recupera de 200 mil mortes.”

A percepção dos familiares das vítimas não é muito diferente. “Negar a doença, colocar empecilhos para o tratamento, falar que o sujeito ‘vira jacaré’ [se tomar a vacina], isso tudo é desinformar a população”, diz Tiago, ele próprio eleitor de Bolsonaro no segundo turno em 2018. “O pior é que muita gente sai replicando isso.”

O efeito disso é que, assim como as mortes se avolumaram, as informações sobre mandos e desmandos do governo federal no curso da pandemia se sucederam em velocidade assustadora. “São crimes de responsabilidade e contra a saúde pública passíveis de punição aqui e no Tribunal Penal Internacional”, diz a professora aposentada da USP Sueli Dallari, especialista em direito sanitário.

Essas são alguns dos motivos que, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, nos aproximaram mais rapidamente da marca de 200 mil óbitos.

Comportamento irresponsável e negacionista do presidente Jair Bolsonaro

Desde o início da pandemia, o comportamento do presidente Jair Bolsanaro se destacou entre os líderes mundiais de forma negativa.

Ao lado de mandatários como Donald Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria), Aleksandr Lukashenko (Belarus) e Gurbanguly Berdymukhamedov (Turcomenistão), o brasileiro desdenhou do potencial de letalidade do vírus, chamou a Covid-19 de “gripezinha”, disse que seu povo deveria ser estudado pois mergulha no esgoto e não contrai nenhuma doença e recomendou diversas vezes o uso de coloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz para evitar o contágio e potencialmente perigoso.

Além disso, Bolsonaro afirmou que não era coveiro para opinar sobre o elevado número de mortes, comemorou e difundiu informações falsas, como a morte de um voluntário dos testes da vacina Coronavac, desenvolvida na China em parceria com o Instituto Butantan.

“Se nossas instituições estivessem, de fato, funcionando, os processos de impeachment contra ele estariam andando na Câmara”, diz o advogado, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa/USP), Fernando Aith. Ele vê claras evidências de crimes de responsabilidade contra o presidente do Brasil.

É a mesma opinião da professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora do Cepedisa, Deisy Ventura. “Minha impressão é que o governo brasileiro quer disseminar a Covid-19 entre a população. Não se trata de incompetência, mas de uma estratégia do governo federal”, diz.

Ela exemplifica com o conteúdo do livro do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido no meio da pandemia. “Há uma estratégia clara de disseminação do vírus. E essa é uma ideia eleitoral porque quanto antes acabar, mais cedo se retoma o caminho para 2022”, afirma.

A professora da USP aponta três eixos pelos quais a gestão Bolsonaro obstruiu e prejudicou o combate à Covid-19: comunicação, gestão e normas.

“O governo mobilizou até mesmo a Secom [Secretaria de Comunicação] e o Ministério da Saúde para serem divulgadores de fake news. Para o discurso extremista e populista não há problema em ser contraditório”, diz. “Também agiu editando normas que consideraram serviços essenciais salões de beleza e igrejas e agiu para obstruir as respostas locais de prefeitos e governadores à pandemia.”

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